Saturday, May 06, 2006

Cheire pão de queijo



São Paulo, 23/05/2006, Sábado

Hoje meu dia não foi lá essas coisas. Acordei com a campanhia tocando: Rosa, a amiga da família que aceita lavar as roupas há uns cinco anos, como ela mesma disse hoje. Me deitei no sofá. Ainda tinha sono, mas não consegui dormir novamente. Tentei ver um filme com legendas em inglês, parei no minuto quinze e fui comprar pão. Fiz um café forte e sem açúcar.
O resto do dia foi quase mais desinteressante do que esta primeira parte. No entanto, não improdutivo.
No meio da tarde me lembrei de um fato que aconteceu há exatamente uma semana. Ia no metrô de Santana para o Bom Retiro. Eram umas oito da manhã e só cinco estações. Estava já sentado, quando um rapaz de muletas, amputado, entrou no trem.
O discurso era o mesmo de todos os pedintes: “peço a colaboração de todos...”, “qualquer moedinha serve...”, e por aí vai.
No entanto, o que me chamou a atenção não era o fato de ele ser um pedinte de muletas dentro de um trem. Foi o cheiro que veio junto com ele. Era cheiro de pão de queijo.
Explico: na minha frente (meu banco formava um “L” com um outro; logo, era exatamente em minha frente) uma mulher comia um delicioso pão de queijo. A cara que ela fazia a cada mordida não deixava dúvidas de que estava realmente gostoso. A fumaça que saía daquele pão parecia entorpecer aquela senhora; estava completamente indiferente ao rapaz. Nem desviava o olhar para ele. Não fazia nem questão de retirar os seus olhos do horizonte sem fim onde estavam depositados para, por pelo menos uns segundos, contemplar a apresentação da desgraça humana bem à sua frente. Simplesmente comia seu pão de queijo.
Já na última estação antes da minha, o rapaz retorna do fundo do vagão e começa a agadecer a todos aqueles que contribuiram e deseja a todos uma “boa viagem”. Eu até quis ajudar nesse momento. Fiz uma busca em meu bolsinho de moedas, mas me lembrei que havia esquecido todas em cima da mesinha do computador – ou teria sido no tapete?
A minha estação chegou. Desci e nem percebi se ele tinha feito o mesmo na anterior ou se havia me seguido nesta. Tinha um objetivo a partir de agora. Estava concentrado e decidido. Saí pelo lado ímpar da “Tiradentes”, segui até uma padaria perto da casa de um amigo – afinal, ele nem deveria estar acordado para me servir um pouco de seu café – e pedi: “um café com leite, por favor, amigo”. Ele, o balconista, prontamente troxe o café com o gosto único dos cafés de padaria e perguntou se eu queria “mais alguma coisa”. A primeira resposta que vem à cabeça, geralmente, é “não”. Nese dia, a resposta era outra e estava na ponta da língua: “um pão de queijo. Aliás, um não. Dois!”.