Na semana anterior
Toc, toc – bateram à porta do gabinete do reverendo. Era meio de tarde. Domingo. Calor.
- Pode entrar.
Era um jovem do coro. Deveria ter uns 20 anos. Rosto “enferrujado”, cabelos avermelhados, pele branca como o leite que se joga no cereal matinal todas as manhãs.
- A paz, reverendo! Eu te procurei porque precisava falar com alguém... Não sei se o Senhor sabe, mas eu namoro a líder do grupo de juvenis. Reverendo, nós estamos com um problema... não sei como dizer...
- Meu jovem, lidero esta igreja há anos. Nada do que me diga pode me surpreender tanto como imagina. Aliás, acho que até sei o motivo pelo qual te recebo aqui hoje...
O reverendo fez uma pausa em sua fala. Durante seus anos à frente daquele trabalho, estava já saturado de tantos jovens que o procuravam para contar-lhe sobre suas aventuras sexuais pré-casamento, geralmente com fins indesejáveis, fins esses que poderiam ser contidos com o uso dos preservativos e todo leque de contraceptivos anunciados na mídia em geral. Mas o fogo do pecado tem chamas que queimam mais alto que as do bom senso.
- Então creio que não preciso entrar em detalhes, pastor. O que faremos? Eu preciso do perdão de Deus... Sinto-me envergonhado...
As lágrimas ameaçavam cair de seus olhos a todo o momento, mas relutavam. Pareciam saber que haveria momento mais propício para que caíssem pela última vez.
O reverendo pegava a bíblia na mesa auxiliar à sua direita. Folheou um chumaço de folhas até parar e passar o livro para que o jovem pudesse ler.
- O livro da sabedoria, meu jovem. Provérbios. Leia o verso 13 do capítulo 28.
“O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia.”
- O que você fez aqui hoje foi aprazível aos olhos de Deus meu jovem. Você está disposto a deixar?
- Sim.
- Então não há mais o que fazer aqui. A Palavra é sábia e não mente.
- Mas... mas...
- Não há mais nada! É simples assim. Agora, se não se incomoda, tenho que concluir o sermão dessa noite.
O jovem parecia assustado agora com o tom de voz do pastor e achou por bem não insistir. Estava perdoado, já poderia ir em paz. Pelo menos por enquanto.
Eis que é chegada a hora
O culto terminou e não houve a famosa confraternização entre os irmãos. Todos pareciam entorpecidos com a visão do fim. Pareciam reflexivos, distantes, temerosos. Quem seria o primeiro a atender ao anseio do Pai? Essa era uma pergunta que só cabia a um homem responder e ele já conhecia a resposta desde a semana anterior.
Na frente do templo, depois que quase todos já haviam deixado a casa de Deus para irem para as suas próprias, o jovem “enferrujado” dá partida em seu carro com a namorada no banco do carona. Partem rumo a casa dela. Vão pelo caminho que fazem todos os domingos.
Muitos assuntos surgem enquanto dirige. A gravidez, os planos, o que fazer?, a conversa com o reverendo, a faculdade, aborto. Como contariam para os pais dela? Até então somente eles e o reverendo guardavam esse segredo... Uma freada brusca!
Na estrada do bosque, antes de chegar ao condomínio onde vivia a leviana líder dos inocentes juvenis, uma caminhonete estava parada atravessada na pista. Faróis acesos.
Os dois jovens, por não entender o que se passava, não tiveram nem motivos para se amedrontar. Saíram do carro sem pestanejar e se aproximaram para ver o que se passava, para ver se alguém precisava de ajuda.
Estavam tão concentrados – tão interessados em ver o que se passava na caminhonete, talvez – que não perceberam se aproximar deles, por trás, um homem trajando preto com lenços umedecidos em éter nas mãos. Não se preocupava em cobrir o rosto. Não o veriam mais. Abraçou com força os dois jovens tapando suas bocas com aqueles lenços brancos embebidos num líquido que, agora para eles, tinha o odor da própria morte.
Acordaram meio zonzos uns minutos depois, nus, amarrados um de frente para o outro dentro de uma vala cavada na terra vermelha do bosque. O mundo parecia rodar como um carrossel. O cheiro agora era outro... Era cheiro de mato, do bosque, mas tinha também... “Gasolina! É isso! Deus... O que está acontecendo?!?!?”
- Deus? – ouve-se uma voz vinda da escuridão. Deveriam ter chamado por Ele em seu momento de fraqueza. Deveriam ter se dedicado ao labor da obra do “Senhor da vinha”, mas ao invés disso decidiram se entregar ao prazer, à libertinagem, ao calor da vã satisfação mundana.
O ar estava se tornando cada vez mais irrespirável para os dois. Estava abafado. Estava escuro, apertado. O mundo não parecia querer parar para os dois. Ela começava a identificar a voz...
“Depois levará o novilho fora do arraial, e o queimará como queimou o primeiro novilho; é expiação do pecado da congregação." (Levítico 4 : 21)
Mesmo com um mundo que não parava em suas cabeças (que pareciam ter o dobro do tamanho com a dor que sentiam), ainda puderam ouvir um estalido de um isqueiro e viram a pequena chama que se seguiu. Tentaram uma reação qualquer, mas não tinham como gritar mais: as chamas agora tomavam conta de seus corpos desnudos dentro daquela cova. O fogo parecia gritar mais alto que a agonia do casal. Parecia querer consumir de uma vez os jovens pecadores que repetiam o que seus pais haviam feito anos atrás. Os corpos, ainda vivos, se contorciam em meio ao clarão da “fogueira do sacrifício”.
“A Terra precisa ser purificada. Graças te dou, ó Pai, por tão importante missão que entregaste a mim”.
Não parecia haver mais vida nenhuma ali dentro do buraco. O cheiro de carne tostada pairava no ar.
Toc, toc – bateram à porta do gabinete do reverendo. Era meio de tarde. Domingo. Calor.
- Pode entrar.
Era um jovem do coro. Deveria ter uns 20 anos. Rosto “enferrujado”, cabelos avermelhados, pele branca como o leite que se joga no cereal matinal todas as manhãs.
- A paz, reverendo! Eu te procurei porque precisava falar com alguém... Não sei se o Senhor sabe, mas eu namoro a líder do grupo de juvenis. Reverendo, nós estamos com um problema... não sei como dizer...
- Meu jovem, lidero esta igreja há anos. Nada do que me diga pode me surpreender tanto como imagina. Aliás, acho que até sei o motivo pelo qual te recebo aqui hoje...
O reverendo fez uma pausa em sua fala. Durante seus anos à frente daquele trabalho, estava já saturado de tantos jovens que o procuravam para contar-lhe sobre suas aventuras sexuais pré-casamento, geralmente com fins indesejáveis, fins esses que poderiam ser contidos com o uso dos preservativos e todo leque de contraceptivos anunciados na mídia em geral. Mas o fogo do pecado tem chamas que queimam mais alto que as do bom senso.
- Então creio que não preciso entrar em detalhes, pastor. O que faremos? Eu preciso do perdão de Deus... Sinto-me envergonhado...
As lágrimas ameaçavam cair de seus olhos a todo o momento, mas relutavam. Pareciam saber que haveria momento mais propício para que caíssem pela última vez.
O reverendo pegava a bíblia na mesa auxiliar à sua direita. Folheou um chumaço de folhas até parar e passar o livro para que o jovem pudesse ler.
- O livro da sabedoria, meu jovem. Provérbios. Leia o verso 13 do capítulo 28.
“O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia.”
- O que você fez aqui hoje foi aprazível aos olhos de Deus meu jovem. Você está disposto a deixar?
- Sim.
- Então não há mais o que fazer aqui. A Palavra é sábia e não mente.
- Mas... mas...
- Não há mais nada! É simples assim. Agora, se não se incomoda, tenho que concluir o sermão dessa noite.
O jovem parecia assustado agora com o tom de voz do pastor e achou por bem não insistir. Estava perdoado, já poderia ir em paz. Pelo menos por enquanto.
Eis que é chegada a hora
O culto terminou e não houve a famosa confraternização entre os irmãos. Todos pareciam entorpecidos com a visão do fim. Pareciam reflexivos, distantes, temerosos. Quem seria o primeiro a atender ao anseio do Pai? Essa era uma pergunta que só cabia a um homem responder e ele já conhecia a resposta desde a semana anterior.
Na frente do templo, depois que quase todos já haviam deixado a casa de Deus para irem para as suas próprias, o jovem “enferrujado” dá partida em seu carro com a namorada no banco do carona. Partem rumo a casa dela. Vão pelo caminho que fazem todos os domingos.
Muitos assuntos surgem enquanto dirige. A gravidez, os planos, o que fazer?, a conversa com o reverendo, a faculdade, aborto. Como contariam para os pais dela? Até então somente eles e o reverendo guardavam esse segredo... Uma freada brusca!
Na estrada do bosque, antes de chegar ao condomínio onde vivia a leviana líder dos inocentes juvenis, uma caminhonete estava parada atravessada na pista. Faróis acesos.
Os dois jovens, por não entender o que se passava, não tiveram nem motivos para se amedrontar. Saíram do carro sem pestanejar e se aproximaram para ver o que se passava, para ver se alguém precisava de ajuda.
Estavam tão concentrados – tão interessados em ver o que se passava na caminhonete, talvez – que não perceberam se aproximar deles, por trás, um homem trajando preto com lenços umedecidos em éter nas mãos. Não se preocupava em cobrir o rosto. Não o veriam mais. Abraçou com força os dois jovens tapando suas bocas com aqueles lenços brancos embebidos num líquido que, agora para eles, tinha o odor da própria morte.
Acordaram meio zonzos uns minutos depois, nus, amarrados um de frente para o outro dentro de uma vala cavada na terra vermelha do bosque. O mundo parecia rodar como um carrossel. O cheiro agora era outro... Era cheiro de mato, do bosque, mas tinha também... “Gasolina! É isso! Deus... O que está acontecendo?!?!?”
- Deus? – ouve-se uma voz vinda da escuridão. Deveriam ter chamado por Ele em seu momento de fraqueza. Deveriam ter se dedicado ao labor da obra do “Senhor da vinha”, mas ao invés disso decidiram se entregar ao prazer, à libertinagem, ao calor da vã satisfação mundana.
O ar estava se tornando cada vez mais irrespirável para os dois. Estava abafado. Estava escuro, apertado. O mundo não parecia querer parar para os dois. Ela começava a identificar a voz...
“Depois levará o novilho fora do arraial, e o queimará como queimou o primeiro novilho; é expiação do pecado da congregação." (Levítico 4 : 21)
Mesmo com um mundo que não parava em suas cabeças (que pareciam ter o dobro do tamanho com a dor que sentiam), ainda puderam ouvir um estalido de um isqueiro e viram a pequena chama que se seguiu. Tentaram uma reação qualquer, mas não tinham como gritar mais: as chamas agora tomavam conta de seus corpos desnudos dentro daquela cova. O fogo parecia gritar mais alto que a agonia do casal. Parecia querer consumir de uma vez os jovens pecadores que repetiam o que seus pais haviam feito anos atrás. Os corpos, ainda vivos, se contorciam em meio ao clarão da “fogueira do sacrifício”.
“A Terra precisa ser purificada. Graças te dou, ó Pai, por tão importante missão que entregaste a mim”.
Não parecia haver mais vida nenhuma ali dentro do buraco. O cheiro de carne tostada pairava no ar.
Uma pá. Terra. Alguns passos em torno para verificar se não esquecera nada. Pronto. Podia ir.
Antes de partir em , pôs a mão no bolso interno de seu casaco negro e tirou de lá um cd, colocou cuidadosamente no player do carro do “enferrujado”. Apertou a tecla repeat duas vezes.
Entrou em sua caminhonete e ouviu ao longe uma bela trilha cantada por um coro de igreja, gravada ao vivo, com um tal garoto branco como o leite do matinal solando:
“Because He lives, I can face tomorrow; Because He lives, All fear is gone!”
Antes de partir em , pôs a mão no bolso interno de seu casaco negro e tirou de lá um cd, colocou cuidadosamente no player do carro do “enferrujado”. Apertou a tecla repeat duas vezes.
Entrou em sua caminhonete e ouviu ao longe uma bela trilha cantada por um coro de igreja, gravada ao vivo, com um tal garoto branco como o leite do matinal solando:
“Because He lives, I can face tomorrow; Because He lives, All fear is gone!”